Design e empatia para informar sobre Déficit de Atenção 🧡

Isabella Lopes
8 min readMar 8, 2021

“E como que o Design vai resolver o TDAH? Isso é com a psicologia, não vocês, designers.”

— TCC, Banca de Avaliação. 2019

Esse foi um projeto de faculdade, mais precisamente meu trabalho de conclusão do curso de Design em 2019 feito em em dupla, cujo uma amizade entre duas pessoas aleatórias cresceu durante o processo.

Isso é algo legal de comentar sobre o processo de TCC, para todos que vão/precisarão se aventurar nessa montaha-russa tambem: O grupo é uma das parte essenciais do projeto. Escolha alguém que simpatiza com os temas que você tem interesse em trabalhar e que pense diferente de você. Sim! Pode ser que você esteja indo por um caminho que não é o melhor pra uma situação e alguém que pensa diferente de você vai te questionar, vocês vão conversar e entender melhor a situação, juntos. É sempre construtivo estar em um projeto com mais de um ponto de vista.

O tema

O requisito pro TCC era escolher um problema que pudesse ter sua solução desenvolvida através do Design. Depois de semanas quebrando a cabeça, estávamos com muitas ideias voltadas para a área de psicologia (área que me interesso muito particularmente), uma delas, era relacionada ao TDAH, Transtorno de Deficit de Atenção. Eu tenho TDAH desde pequena e na época que eu tomei consciência do problema e como ele me afetava, meus pais não tinham a mesma mente aberta como eles têm hoje, então a situação toda era bem complicada. Um amigo do Marcos também tinha uma situação parecida então resolvemos seguir com esse tema.

A parte mais difícil do projeto foi essa: defender o tema. Em todas as bancas e atendimentos com os orientadores, eles nos questionavam: “Como que o Design vai resolver o TDAH? Faz sentido vocês continuarem esse tema?”. Nessa hora foi essencial pontuar que o projeto NÃO atuaria no tratamento do transtorno de forma alguma, e sim em alguma brecha no processo de comunicação relacionada a isso. Mas que brecha?

➜ A problemática…

Pra contextualizar de forma geral, o TDAH é um transtorno neurobiológico, que se manifesta na infância e afeta cerca de 3% a 5% das crianças do mundo. Ele é principalmente caracterizado por dificuldade de atenção, hiperatividade e impulsividade. Vimos no levantamento teórico que no Brasil o TDAH está em constante controvérsia, pois há tanto os casos sem diagnóstico como casos onde há tratamento de quem não tem o distúrbio. Existe um tabu muito forte e muitas pessoas resistem em aceitar que o transtorno é uma doença que precisa de um tratamento.

🧡 Background: TDAH atrapalha o desenvolvimento da criança, pode desencadear problemas de ansiedade e depressão além de interferir no bom relacionamento familiar, onde os pais querem o bem e poder entender seus filhos.

➜ O público…

Sabíamos que existia um ruído na comunicação. Tendo como base, parentes e amigos que já tiveram contato com pessoas com TDAH, pesquisas de comportamento sobre pais e escolas lidando com o assunto, mapeamos o cenário o ideal e o que normalmente ocorre. Assim como muitos problemas relacionados a saúde mental, a sociedade não tem tanto conhecimento a respeito e muitos nem sequer acreditam que possam ser reais ou prejudiciais. Quando você está na posição de mãe/pai/responsável, você só deseja o melhor para seu(sua) filho(a), mas percebe que ele tem alguma dificuldade.

Fluxo de como acontece a identificação do TDAH na criança e possiveis ações decorrentes.

Infelizmente, se olharmos para a situação do país, ou as crianças não estão sendo tratadas, ou estão tendo um diagnóstico equivocado. É difícil saber 100% qual a situação, uma vez que seria necessária uma pesquisa de campo mais complexa e abrangente. Como saber que uma criança tem TDAH não está sendo tratada, sendo que ela não tem esse diagnóstico ou o mesmo não é condizente? Não tínhamos como trazer essa propriedade pra pesquisa, considerando o tempo pro projeto e recursos, então tivemos que optar por um caminho menos aprofundado.

Definimos que o recorte do nosso público de interesse seriam pais ou responsáveis por crianças que apresentam características do transtorno, que podem ter ou não o mesmo. Para analisar esse público e registrar de forma fácil e visual, montamos um mapa da empatia, pensando nesse pai/mãe/responsável lidando com a situação do filho/a:

Ao se colocar no lugar do outro, você exerce empatia pelo problema e essa é a base do seu projeto. As informações coletadas são geralmente as mais íntimas e estão muito mais nas entrelinhas dos dados. Aí já tínhamos em mente o nível de cuidado na abordagem e o conteúdo que esse público precisava.

➜ A proposta…

Com as facilidades do mundo digital, cartilhas e folhetos entram rapidamente em desuso ou são pouco atrativos para quem precisa das informações certas e rápido. Portais e sites informativos são mais práticos, mas mesmo com tantas opções por aí, são cheios de informação, alguns mais técnicos, menos objetivos e de certa forma confusos pra um público leigo. Era necessário um meio de comunicação breve, sucinto e que despertasse a atenção do leitor, se conectasse com ele (pensando que nosso público são pessoas que talvez não enxerguem a importância do assunto).

🧡 Principal necessidade que estamos tentando satisfazer: Falta de informações confiáveis, de fácil/rápido compreentendimento que se conectam com o receptor da mensagem.

A plataforma de marca…

“Pera…o projeto não era um site? O que construir uma marca tem a ver?”

Porque estruturar uma marca é também estruturar um projeto? O projeto não era a construção de marca, mas ele precisava de uma e, mais do que isso, ele precisava de uma estratégia bem elaborada.

Ficamos andando em círculos durante as primeiras fases (meses), arrumando mais perguntas do que respostas. Estávamos firmes no tema, mas não tínhamos argumentos sólidos o suficiente para defender a proposta. Chegamos num ponto onde tínhamos pesquisas/artigos de design e psicologia, levantamento sobre TDAH e como este é apresentado na mídia, mas quando nos questionavam perguntas básicas sobre o projeto.

“O que é? Pra que é? Como é? Pra quem é?” nós caíamos em um vão de mãos vazias.

Post-its e muitas, MUITAS folhas A3*

*Obs. Durante todo o projeto, nós só usamos folhas A3, por que era um “requisito” de todos os projetos no curso. Até que isso ajudava a visualizar melhor as informações dava espaço pra gente se espalhar as ideias pela folha.

Utilizamos a plataforma de marca criada pelo Daniel Padilha, consultor, estrategista, unlocker da The Ugly Lab, professor e amigo. A ferramenta nos ajudou a colocar as cartas na mesa (os post-its nas folhas, no caso). Tínhamos conceitos, ideias e pensamentos soltos e a plataforma de marca foi um jeito que achamos de ancorar tudo, conectar e responder toda e cada possível pergunta sobre o projeto.

No final, tínhamos um projeto estruturado, pronto pra sair do papel. Tínhamos um modelo de negócios e um plano de marketing (básicos, mas tínhamos). Tínhamos uma marca estrategicamente planejada, com posicionamento, propósito, visão de futuro, personalidade e quais suas entregas (tangíveis e intangíveis).

➜ A expressão da marca/projeto…

A personalidade da marca foi o pontapé para o desenvolver a identidade visual, processo de naming e decisões de layout do site. Não iríamos escolher uma cor ou fonte ao acaso. Quando usamos psicologia das cores, análise tipográfica e etc, usamos os arquétipos para entender e induzir respostas emocionais nas pessoas que entrarem em contato com o universo visual que estávamos criando.

Além desses estudos no escopo de design, o laranja como cor principal da identidade visual teve forte relação com o fato da cor ser vinculada a campanha de consciência do TDAH, assim como o rosa é associado ao câncer de mama. Também estipulamos duas paletas de cores, uma para o layout geral e identidade visual e outra para ícones e ilustrações que seriam incluídos.

Depois de trocentas opções, optamos por “Manual da Desatenção”. Representava bem o impacto que se queria causar ao ler o nome, traduzia bem o que era e pra que servia o produto e, principalmente, suas intenções e motivos de existir.

No símbolo, o círculo simboliza o universo da criança e como ela enxerga o mundo. A silhueta da criança com o avião de papel representa o TDAH, já que ela se dispersa facilmente e sua mente viaja. O aviãozinho também é comum quando as crianças estão entediadas durante as aulas.

A fonte Raleway no nome tem alta legibilidade e harmonia com o símbolo. Suas formas mais geométricas proporcionalmente e suaves conversam com a ideia de ser algo dinâmico, mas que, ao mesmo tempo, busca certa seriedade.

O site e ilustrações…

O site precisava incluir: o que é o TDAH, quais as características, quais as como ele afeta a vida das pessoas, quais as principais causas, onde procurar mais informações a respeito, como e onde é feito o diagnóstico/tratamento.

Feito o planejamento do que teria no site, montamos o bom e velho fluxograma, separamos o que teria link com o que e já começamos a separar os textos. Nessa parte tivemos que esclarecer outro ponto…

“Vocês não são psicólogos nem especializados em TDAH, vocês não podem escrever.”

Bom, a ideia nunca foi de escrever o texto justamente por isso. Selecionamos partes-chave de textos publicados no site da ABDA — Associação Brasileira do Deficit de Atenção (colocamos no rodapé/footer do site a afiliação com a organização). Colocamos abaixo dos textos um hiperlink que redirecionava pro site oficial, caso a pessoa quisesse ter uma leitura mais extensa e aprofundada em determinada parte, vinda de uma fonte confiável.

Na seção “Características” decidimos colocar uma personificação de cada tipo de TDAH representados em figuras de crianças. Dessa forma o leitor (pai/mãe/responsável) pode ter uma relação mais empática com o conteúdo, visualizando as características em uma criança e associando-as com sua filha ou filho. Essa abordagem visual é melhor absorvida pelo cérebro do que somente o conteúdo escrito, ajuda da identificação de forma empática, clara e demonstrativa.

As considerações gerais e finais…

Em um projeto de Design é importante sim que se tenha planejamento, que se tenha uma estratégia de projeto e organização. Não é só pegar um tema e já abrir o software e sair fazendo. Design como bom design é sinônimo de projeto, projeto é composto de etapas, funções, testes e resultados.

Uma dica: Se divirta. Sim, se divertir também é parte do processo de um TCC, é o que faz ele ser menos monstruoso e você fica envolvido por tanto tempo então faça esse tempo valer a pena, com responsabilidade. Aprenda, explore, se permita ser desafiado também (essa parte é divertidíssima, você se motiva).

Pra ver mais sobre o desenvolvimento visual do projeto , postei tudo no Behance. É só clicar aqui pra conferir! 🧡

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Isabella Lopes

I’m a creative strategist, a rebel designer, an artistic thinker and curious challenger. x