Designers e a escada hierárquica. Faz sentido do jeito que é hoje?

Isabella Lopes
5 min readMar 9, 2021

Há necessidade (ou não) de seguir o padrão das “fases hierárquicas”, mesmo que fora da área que nos especializamos, para conseguir trabalhar com o que queremos.

Me pergunto isso sempre que me deparo com vagas postadas por aí na área de design. Constantemente questiono como as coisas são e o porquê são como são e, quando se trata do meu futuro/presente profissional, chega a ser angustiante. Acabo desabafando muito com meus pais em casa sobre isso e me sinto aqueles desenhos animados onde a filha birrenta reclama de tudo no mundo que não é como ela gostaria que fosse. Mas até aí… quem nunca, né?

Penso que o legal de se reclamar é que você desprendeu de um tempo para analisar como os fatos aconteceram, sua relação psicológica e emocional balanceando com valores éticos e morais. Não é só sobre reclamar de algo, mas questionar “porque as coisas são como são” e tentar enxergar como você pode mudar a situação a partir daí.

Tudo pode soar como uma crítica, o que de certa forma é, mas quero principalmente abrir o tópico para discussão. Talvez se aplique pra empresa X e não pra empresa Y. É uma perceptiva geral baseada no meu ponto de vista e minhas experiências, de forma geral com base em lugares que já passei, pessoas que conversei, chefes, donos de empresa, recrutadores, colegas e também considerando as descrições de vagas e processos seletivos.

Saímos da escola e entramos em uma universidade para estudar Design, lá seus 4 anos de curso. Muitos destes, a matriz curricular é focada em desenvolver o aluno como Designer e profissional que sabe pensar design em processos/projetos, não um robô que sabe códigos Pantone ou atalhos do Photoshop (estou sendo um pouco crítica demais, talvez).

Temos que entender que Design não se trata apenas de usar software. Design é pensar projeto, é estratégia. Não é atoa que milhares de empresas e empresários por aí estão atrás de Design Thinking. Por que não incluir um designer na sua equipe de negócios para trazer o “design thinking”? Isso serve para empresas, mas para designers também fica a mensagem. Somos pensadores analíticos e criativos de problemas, desenvolvemos soluções baseadas em empatia e estratégia.

Um dos meus professores da faculdade listou na lousa uma vez as especialidades relacionadas a design (as que ele conseguiu lembrar na época, em 2016). Hoje muitas sumiram e mil outras surgiram.

Se pesquisarmos os tipos e áreas de Design existentes, podemos ficar horas discutindo sobre. Os mais leigos enxergam apenas o design gráfico, design UI/UX/Web, design de moda e, pasme, designer de sobrancelha (não conta, mas coloquei por conta do meme). As empresas e pessoas tem dificuldade de ver o potencial que o design tem de atuar em outras áreas, novos setores e desafios.

É engraçado que, quando estamos no mercado de trabalho, o mais comum é que muitos de nós, designers, sejamos colocados em apenas uma função, esta relacionada a criação (equivalente a prototipação de sites, layouts, ilustrações e logos). A estratégia, planejamento, estruturação, pesquisa e gestão de um processo de Design acabam ficando única e exclusivamente com quem tem “+8 anos de experiência na função”, o que está longe de ser errado, mas dificilmente um designer júnior participa dessas etapas sendo que ele já teve/tem contato com isso em projetos da faculdade, por exemplo, ou até se dedicou a estudar mais aprofundadamente alguma dessas etapas.

Até hoje, meu TCC na faculdade foi o projeto de Design mais complexo, intenso e satisfatório que pude fazer, justamente por que estava envolvida desde o início do processo de Design, passando por pesquisa, planejamento, estratégia, conceituação, até chegar na parte de “criação”. Na faculdade somos expostos a diversas funções e habilidades, mas quando queremos entrar no mercado para crescer e aprender na prática, as opções são menores que as que tínhamos uma visão de futuro. Se um designer entende muito de estratégia e ele que muito seguir nessa área criativa, de certa forma ele precisará se esquecer disso por um tempo e se dedicar a outras áreas, como design gráfico (com pacote adobe completo, etc.), para um dia conseguir ser promovido na empresa ou atingir uma quantidade de anos de experiência para que seu currículo seja separado para uma vaga na área que ele sempre quis. Essa área que ele tem mais afinidade e quer se especializar “é só para quem já está num nível mais alto tipo sênior” (já ouvi isso inúmeras vezes).

O questionamento é: Por que não podemos ter vagas de design sem ser para ficar na área de criação, que já recebemos um briefing mastigado e definido pelo resto da equipe e agora seria só “fazer a arte”? Sim, na nossa área as ferramentas são importantes, mas um designer que não sabe After Effects, por exemplo, em contrapartida, é extremamente habilidoso em estratégia em projetos, não consegue uma oportunidade de atuar com aquilo que gosta porque as vagas “são para quem já está num nível sênior/pleno/diretores”.

Para vagas de profissionais envolvidos no processo de design, dinâmicas de design thinking, estratégia e entre outros, estas parecem só existir para quem está há anos no mercado. Dificilmente você encontrará uma vaga assim para um júnior.

“Você precisa subir os degraus. Você não vai começar hoje trabalhando na area x, isso é pra quem já passou por várias etapas”*

*Etapas estas que envolvem trabalhar com aquilo que você não gosta/sabe sobre o escopo geral da sua área SÓ PORQUE é o que tem. Você não consegue uma oportunidade de se mostrar capaz no que você gosta já que seu nível hierárquico dita o que você supostamente sabe ou não, ao olhar do mercado.

Me questiono sobre essa “escada hierárquica” no ramo de Design. Por que o Júnior é menos habilidoso para participar do planejamento e pesquisa do projeto do que um Designer Sênior? Por que ele não pode estar junto do Sênior para ganhar experiência e contribuir no processo? Poderiam existir mais oportunidades para designer júnior/assistente que querem trabalhar com a área de negócios ou criar mais iniciativas de programas de Trainees para jovens designers para poderem aprender (o que é considerado por muitos) a função dos designers plenos/seniores, sem precisarem passar por mil degraus exercendo aquilo que nem faz sentido profissionalmente para eles, aprender uma habilidade só para poder subir um degrau e depois nunca mais usá-la.

Tem uma frase do Neil Gaiman, dita em seu discurso “Make Good Art” para formandos da University of the Arts em 2012, que amo e me inspira demais quando penso sobre trilhar o meu caminho para trabalhar com o que gosto:

“Seja rebelde… faça do mundo um lugar mais interessante pra você morar nele.”

Deixo aqui, na verdade, um pedido de reflexão, uma chamada para conversar sobre o assunto ou reclamar sobre coisas da vida que questionamos e queremos tentar fazer o melhor.

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Isabella Lopes

I’m a creative strategist, a rebel designer, an artistic thinker and curious challenger. x