Netflix: como a imagem da marca é afetada pelas maratonas (estudo de caso)
Até que ponto a estratégia de negócios da empresa pode impactar negativamente na reputação da marca? E até que ponto a estratégia da marca pode salvar a percepção sobre a empresa?
A locadora vermelha começou no mercado fomentando o modelo de lançamento de uma temporada completa de uma vez só, o que foi um agrado para que os fãs inquietos pudessem consumir séries fazendo as “maratonas”. Com excelência, gradualmente conseguiram consolidar uma marca sinônimo de entretenimento que entrega muito mais que conteúdo.
Durante o isolamento social no começo da pandemia, a indústria foi fortemente impulsionada e vimos o crescimento da concorrência nos últimos 2 anos (2020–2022). A Netflix deixou de ser a única opção líder e agora temos um mercado saturado. Simultaneamente, a mudança no comportamento de consumo de entretenimento mudou: de um mundo ansioso por maratonas de série para um mundo que quer assisti-las e aproveitá-las sem pressa.
Chegamos no ponto em que as maratonas estão mudando nossa visão sobre a Netflix.
A Netflix é utiliza seus conteúdos para a construção de percepção da sua marca, o mesmo vale para o amor que se tem por ela. Ela foca em mostrar para o público o que ela oferece e trabalhar a experiência desses títulos, por isso investe tanto em marketing promocional e de conteúdo. As produções corroboram para o posicionamento desse ecossistema e elevam a percepção da marca (principalmente produções como “La Casa de Papel”, “Stranger Things”, “Black Mirror”, “Round 6”, “Sense8”, “Arcane”, entre outras).
Com essa dependência planejada, tudo que se é percebido sobre uma produção, se torna a percepção geral da marca, seja uma série muito boa ou uma “adaptação da Netflix”. A liberdade criativa da empresa para a quantidade acelerada de produções e a cultura das maratonas (sempre alimentada pela plataforma) esbarra naquela ideia de “quantidade acima da qualidade” que alguns já manifestaram sobre o streaming. O tempo em que essa série fica na “boca do povo” reflete, não só o período de relevância daquele conteúdo, mas também a percepção de marca é dada como momentânea e não representa longevidade.
Obs.: Importante dizer que não existe certo ou errado para uma estratégia de lançamento de uma série. Seja semanal ou maratona, o que impacta a imagem da marca é a forma como essa estratégia é usada por uma plataforma diante dos cenários em que se encontra, algo que pode ser tanto a favor quanto contra considerando fatores internos e externos.
A estratégia de negócio impacta diretamente na estratégia de marca.
Você já ouviu falar nas ondas de streaming? Talvez, hoje, você divida a assinatura com alguém ou assina um streaming quando tem algo que te interessa e depois de um tempo você cancela para assinar outro. Tornou-se comum as pessoas assinarem streamings por turnos para conseguir transitar entre as demais opções disponíveis e pagar somente aquele que usam de fato. Isso, em massa, é a onda de streaming.
Um exemplo desse movimento: uma pessoa que assina um streaming para ver 1 única série (de 8 episódios) que ela quer muito e depois cancelar a assinatura. Para a Disney+, que lança seus títulos em potencial a 1 episódio por semana, o serviço retém aquela assinatura por no mínimo 2 meses. Já para a Netflix, ela retém a assinatura por apenas 1 mês, pois a temporada inteira estará disponível no momento da assinatura e a cultura da maratona é tão grande quanto o hype da série.
Mesmo com a alta procura por séries disponíveis a qualquer momento, a estratégia de lançamentos semanal transforma os episódios em eventos e conversas com período de repercussão maior. Como dito em matéria do site Omelete: “Na era do conteúdo de qualidade aos baldes, há importância em servir algo a conta-gotas”.
As pessoas (como já estão acostumadas com essa cultura graças a Netflix) veem todos os episódios e conversam sobre logo em seguida e, em cerca de 1 semana, aquela série com um hype gigantesco já perdeu consideravelmente a relevância. Do outro lado, os concorrentes viram o potencial do lançamento semanal, já que o assunto do momento seria aquele episódio, os fãs da série não querem passar pelo “FOMO” (“fear of missing out” ou medo de ficar pra trás) e perder as discussões e conversas do momento nas redes sociais e círculos de amizade.
Avaliação de custo-beneficio pode fazer uma marca ser mais percebida pelo preço do que pelo seu valor.
No primeiro semestre de 2022, a empresa teve uma perda de milhões de assinantes globalmente. Em resposta, a empresa apostou em estratégias de mais transparência e ajustes nas métricas da plataforma. Por outro lado, decisões como aumento no preço das assinaturas afastam cada vez mais os assinantes que a empresa tem expressado dificuldades em reter.
O peso do custo se torna mais forte do que o amor pela marca, uma vez que o consumidor começa a enxergar a Netflix como “mais uma” (pense esse fato com a notícia do aumento de mensalidade…). Isso não significa que a Netflix está deixando de ser a marca mais amada, mas que no momento de tomada de decisão do consumidor, o fator “preço do serviço” tem um peso maior do que o a proposta de valor. Com aumento de preços e as atuais decisões sobre limitação de compartilhamento de senha, a imagem que as pessoas têm sobre a marca Netflix passa a ser de “é o serviço mais caro”, “com o preço do Netflix eu consigo pagar outros 5 streamings”.
Ver oportunidade de mudança com base no posicionamento, fortalecendo relações de marca x consumidor e percepção de valor.
Em uma breve análise de forças x fraquezas x oportunidades x ameaças (aka. SWOT), diante dos cenários atuais da marca, é claro que as forças são o amor de marca, reconhecimento pela inovação e pioneirismo, sucesso na construção de experiência de marca, referência em tecnologia e jornada do usuário, poder de personalização através do algoritmo e variedade de conteúdos.
Aumento do preço, perdas de assinantes, muito mais conteúdos do que qualidade deles, pouco tempo de repercussão de uma produção e até o descontentamento dos assinantes com a estratégia de lançamentos… Algumas das fraquezas provêm de decisões de negócio outras de fatores externos que afetaram sua imagem de alguma forma, como o poder de compra fragilizado do consumidor que às vezes recorre às ondas de assinatura e/ou se afasta da Netflix por percebê-la como o streaming mais caro.
Com as adversidades e disputa por manter ou adquirir um assinante, as marcas precisaram olhar para suas estratégias, propostas de valor e principalmente para a forma como criam relações com seus públicos. De uma marca tão amada como a Netflix, espera-se a reciprocidade e medimos isso na qualidade das produções, no valor percebido, na jornada do usuário pela plataforma e sua usabilidade, entre outras formas.
As oportunidades que a marca tem e pode se aproveitar disso são principalmente usar a força do engajamento, fortalecer sua proposta de valor e se questionar se o modelo de lançamentos e até mesmo seu modelo de negócios faz sentido em todos os pontos de contato, seja na comunicação como em ações de mercado mais assertivas que respondam as dores não ditas de seus consumidores, potenciais assinantes e aqueles que deixaram de ver valor na Netflix como um todo.
>>> Nota: Esse é uma síntese do meu estudo de caso feito como parte da especialização em Branding pela PUC-RS (novembro 2022). Abaixo o link da publicação completa do estudo.